Por Fernanda Lagoeiro
Os cadernos personalizados em verde e branco chamaram logo de cara a atenção dos estudantes do Colégio Estadual Marechal Floriano Peixoto, em Porto Alegre. E a aula que vinha pela frente também chamou a atenção pelo tema: educação climática e desigualdade de gênero — era um tema diferente, mas não menos familiar nos últimos tempos para quem vive no Rio Grande do Sul.
O “EmpoderaClima nas Escolas” é um projeto criado e liderado pela EmpoderaClima, uma Organização Não-Governamental (ONG), com sede em Porto Alegre, que atua na conscientização sobre os impactos das mudanças climáticas que meninas e mulheres enfrentam no Sul Global, e a necessidade de mais lideranças femininas na ação climática.
O objetivo do projeto é oferecer educação climática inclusiva e transformadora de gênero em escolas públicas, especialmente em regiões do Brasil que são vulneráveis ao clima e foram afetadas por desastres. “A gente está fazendo parcerias com diversos ativistas locais. Essa ação intergeracional é muito importante, e queremos que jovens em todo o Brasil se tornem líderes de mudança nas suas comunidades, com a justiça em primeiro plano” ressalta Renata Koch Alvarenga, CEO da EmpoderaClima.
O projeto iniciou no mês de dezembro, com três edições: em Porto Alegre, São Paulo e Salvador, e vai acontecer novamente em outras escolas das mesmas cidades em fevereiro. A ideia é fazer duas edições por ano, e expandir o projeto para escolas do Norte e Centro-oeste, conforme a viabilidade de parcerias.
O workshop dura quatro horas e é conduzido sempre por um ou mais voluntários da EmpoderaClima, com a participação de ativistas locais. O conteúdo vai do básico da teoria até a ação, ressaltando princípios básicos de ACE — expressão em inglês para “Ação para o Empoderamento Climático”, termo utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e também pela área de ESG (Ambiental, Social e Governança) para assuntos de sustentabilidade.
Depois de apresentado um módulo sobre mudanças climáticas, os ativistas falam sobre o que são as mudanças climáticas, como funciona a ação sustentável, liderança, e o impacto dos desastres climáticos em meninas e mulheres. Os estudantes são divididos em grupos para fazer uma reflexão sobre os temas, fazer cartazes e uma apresentação propondo soluções para os problemas levantados. Além de conversar com os voluntários, os alunos também têm acesso a livros renomados sobre o assunto e um livreto de informações criado pela EmpoderaClima.
Projeto contemplou 30 alunos no workshop em Porto Alegre. Foto: Vittoria Horch
Os impactos práticos do EmpoderaClima nas Escolas
Na edição de Porto Alegre, que aconteceu no dia 2 de dezembro, a voluntária representante foi Tais Montani, que é formada em Economia e Gestão Ambiental e atua como pesquisadora no projeto. “É muito gratificante o quanto a cabeça dos alunos muda e se abre em apenas quatro horas! E é disso que a gente precisa para fazer uma mudança efetiva. Precisa entender o problema, sentir como afeta o dia a dia, para daí tomar uma atitude”, conta. Além disso, a iniciativa contou com a parceria das ONGs Education Shifts Power Grant e Plan International.
A estudante Yasmin Macedo Silva tem 17 anos, e conta que passou a pensar em seguir carreira na área climática após a experiência no workshop. “Eu amei muito as discussões! É uma luta longa e quanto mais a gente ajudar, melhor, porque já estamos atrasados e o planeta está superaquecendo”, diz.
Ederson Santos, de 16 anos, se surpreendeu com o que aprendeu nas aulas. “Sendo sincero, eu nem imaginava que as mulheres são as mais afetadas pelas mudanças climáticas. É mais um cuidado que a gente tem que ter, né? Eu fiquei pensando na minha mãe, que é mãe solo, o quanto isso poderia afetar”, reflete. Assim como Yasmin e Ederson, outros 30 alunos tiveram os seus dias impactados pela troca de experiências e pelo conhecimento adquirido.
A segunda e terceira edições do EmpoderaClima nas Escolas aconteceram nas cidades de São Paulo e em Salvador. Na capital paulista, o workshop foi feito no dia 18 de dezembro para os alunos do segundo ano do ensino médio da Escola Técnica Estadual, e contou com a participação das ativistas Amanda Costa e Mahryan Sampaio, da ONG Perifa Sustentável. Já em Salvador, o coletivo Unidas pelo Clima ajudou a ministrar as aulas para duas turmas de alunos do segundo ano do ensino médio do Colégio Estadual Henriqueta Martins Catharino, no último dia 6 de dezembro.
Meninas e mulheres são as mais afetadas pelas questões climáticas
Dados fornecidos pelo Fundo Malala mostram uma realidade preocupante: todo ano, cerca de 12,5 milhões de garotas em 30 países vulneráveis ao aquecimento global podem deixar as escolas. E essa é só a ponta do iceberg. “As meninas têm uma redução significativa da frequência escolar no contexto das mudanças climáticas porque, muitas vezes, elas são sobrecarregadas dentro de casa”, explica Júlia Ferraz, especialista em mudanças do clima e emergências da ONG Plan International.
Renata Alvarenga atua na área do clima desde 2019, quando fundou a EmpoderaClima, e na sua tese do mestrado de Ciências Sociais em Harvard falou sobre o impacto dos desastres em mulheres na América Latina e Caribe.
Ela enfatiza muito a tragédia que afetou o seu estado natal, Rio Grande do Sul, no ano passado. Os relatos de abuso sexual em abrigos resultaram em oito prisões em apenas um período de uma semana, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. “Esses relatos refletem que as desigualdades que já existem nas sociedades em períodos normais se intensificam, fazendo com que algumas mulheres estejam ainda mais expostas a violências e violações de gênero durante as crises climáticas”, pontua.
Inclusive, é fácil encontrar outros exemplos. Um estudo feito pelo Centro Nacional de Recursos contra a Violência Doméstica dos EUA em parceria com o Centro de Combate à Violência Sexual da Lousiana, destacou que uma quantidade epidêmica de abusos sexuais contra mulheres e crianças aconteceu em 2005 em abrigos, após o Furacão Catrina.
E um relatório um pouco mais recente, feito pela ONU Mulheres em 2022, registrou um aumento de 20% na quantidade de estupro e violência por parceiros, além de o número de casamentos infantis quadruplicar — tudo isso durante a seca no Chifre da África.
Cynthia Lopes Castro, representante da União Interparlamentar, afirmou que as mulheres representam somente cerca de 26% dos parlamentos do mundo. Além disso, apenas 22% dos parlamentos são presididos por mulheres.
Para melhorar a participação das mulheres nas questões climáticas, o UNICEF Brasil sugere garantir a participação equitativa das mulheres nos processos de tomada de decisão, além de investir em programas de educação e capacitação para as mulheres e políticas públicas que considerem as realidades de gênero.
(Reportagem: Fernanda Lagoeiro)