As ações sobre a regulamentação das redes sociais no Brasil estão entre os primeiros temas que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve abordar em 2025. O foco principal é a análise da constitucionalidade do Marco Civil da Internet, que protege os provedores de serem responsabilizados automaticamente pelo conteúdo publicado pelos usuários. Atualmente, a remoção ou bloqueio de conteúdo só ocorre mediante ordem judicial. O julgamento começou em novembro de 2024, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
Os ministros poderão votar pela derrubada do artigo 19, responsabilizando as redes sociais pelos conteúdos publicados, ou poderão manter a legislação atual. A discussão se intensificou após recentes mudanças na política da Meta, que agora permite publicações como insultos a pessoas LGBTQIA+, comparações de mulheres a “objetos domésticos” e frases racistas, como “eu odeio negros”.
Henrique Faulhaber Barbosa, membro do CGI.br, explica que o Marco Civil, quando criado em 2014, não previa os desafios atuais trazidos pelo crescimento das plataformas. “Essa lacuna se tornou evidente diante de problemas como desinformação, discurso de ódio e fraudes. Precisamos de uma regulação equilibrada, que preserve os benefícios das redes sociais e minimize seus riscos.”
Para Carolina Lourenço, diretora programática do ICCI – Instituto Cultura, Comunicação e Incidência, o impacto das plataformas na disseminação de desinformação e na segurança digital torna urgente o debate sobre regulamentação. Segundo ela, a falta de regras claras permite que grandes empresas decidam unilateralmente o que moderam, sem transparência.
“A articulação entre o governo e o Congresso Nacional será essencial para enfrentar esses desafios, estabelecendo um modelo de regulação que assegure a integridade da informação e a democracia, sem comprometer direitos fundamentais”, afirma.
O ataque à soberania nacional e desrespeito à legislação brasileira são preocupações para as quais Natália Viana, diretora da Agência Pública, chama atenção.
“Não é uma questão de liberdade de expressão, porque as plataformas sempre mediaram. Por exemplo, nas novas regras do Facebook, terrorismo é banido, mas isso reflete uma prioridade americana, não brasileira. Estamos sujeitos a regras feitas fora do país. É, portanto, uma questão de soberania nacional”, pondera.
Educação midiática
No âmbito desse debate, fortalecer o acesso à educação midiática e digital é fundamental para preparar a população para lidar com desinformação e manipulação algorítmica.
Para Natália Viana, mesmo com regulação, é preciso preparar a população. “É preciso ajudar os cidadãos a entenderem como navegar nesse espaço. É um processo que deveria ser ensinado em todas as escolas.”
O acesso desigual à tecnologia e internet é um dos desafios estruturais apontados por Carolina Lourenço, que limita o desenvolvimento de habilidades críticas, especialmente em áreas periféricas e rurais. Além disso, para ela, sem mudanças estruturais na governança das plataformas, o impacto da educação midiática é reduzido.
“Não menos importante, há uma dificuldade em mudar o comportamento dos usuários para que adotem hábitos mais críticos. Muitas vezes, o compartilhamento de fake news está ligado a crenças pessoais e dinâmicas de grupo, o que torna o combate à desinformação um desafio social e não apenas educacional”, avalia.
“A filantropia precisa se preocupar com a integridade da informação”
No campo do investimento social privado (ISP), o apoio à mídia e à comunicação ainda é reduzido: apenas 10% dos respondentes do último Censo GIFE atuam nesse setor. Número que, para Natália Viana, poderia ser diferente, diante do potencial que o setor tem para atuar na redução dos impactos negativos das tecnologias.
“Apoiar um ambiente de informação saudável também passa por apoiar o jornalismo sem fins lucrativos, que é um setor novo no Brasil, e não conta com apoio de políticas públicas, nem do ISP. A filantropia precisa se preocupar com a integridade da informação”, alerta.
Entre as experiências relevantes observadas por Carolina Lourenço na busca por um ecossistema digital mais seguro e transparente, está o INDELA, que fortalece os direitos digitais na América Latina, e projetos como MediaWise e EducaMídia, que ensinam o pensamento crítico, checagem de informações e compreensão do funcionamento dos algoritmos.
“Outro pilar essencial é o investimento em pesquisas que analisem os impactos da manipulação algorítmica e da disseminação de fake news, o que permite formular soluções eficazes”, finaliza.
Fonte: GIFE