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Seminário aponta urgência da reforma tributária para reduzir desigualdades

Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, disse que Brasil precisa dar um exemplo ao mundo, em evento da Oxfam Brasil e do Inesc, com Bernard Appy, Benilda Brito e Martín Guzmán

O economista americano Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2001 e professor da Universidade Columbia (EUA), afirmou que a aprovação da reforma tributária no Brasil é uma questão urgente: “Primeiro, porque as previsões futuras da economia global não são favoráveis e, além disso, existe uma necessidade igualmente urgente para a transição verde como resposta às mudanças climáticas”. Nesses dois cenários, segundo ele, a Justiça Fiscal seria capaz de amenizar os efeitos negativos. “Se o Brasil não aprovar agora sua reforma, vocês serão duplamente prejudicados.”

A constatação foi feita durante o “Seminário Tributação e Desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal”, promovido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e pela Oxfam Brasil na última terça-feira (12/09), em Brasília. Além de Joseph Stiglitz, participaram das discussões Martín Guzmán, ex-ministro da Fazenda da Argentina; Bernard Appy, atual secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, e Benilda Brito, conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS).

Na palestra inaugural do evento, o Nobel da Economia explicou que um sistema tributário com distorções reflete uma falha na democracia e que, diante da importância desta reforma, é preciso que a sociedade civil vá para as ruas a fim de contrabalancear o desejo dos super-ricos em manter seus privilégios fiscais. “A voz das pessoas mais simples e comuns precisa ser ouvida. E para que isso aconteça, as pessoas devem se mobilizar, numa ação coletiva entre os cidadãos, de forma voluntária”, disse.

Por diversas vezes, Stiglitz enfatizou o quanto o Brasil tem a chance de ser um exemplo para os outros países neste momento. “Vocês são a maior democracia entre os emergentes, possuem um papel relevante nas questões climáticas globais, o que também dá a vocês um papel importante na economia global.” Quando perguntado sobre a Amazônia, o economista falou da necessidade do mundo oferecer dinheiro para a proteção da floresta e preservação da biodiversidade: “Os países que oferecem serviços ecológicos devem ser compensados. Outro ponto é dar força aos movimentos globais em defesa dos direitos de povos indígenas. É curioso que a Europa e os EUA defendam o direito à terra, mas não falam nada quando são eles que roubam essa terra”.

A reforma possível – O secretário extraordinário da Reforma Tributária do governo Lula, Bernard Appy, explicou que o princípio da atual proposta é chegar a um sistema tributário mais justo e eficiente e explicou as razões de ter iniciado as mudanças pela tributação do consumo. “As discussões sobre esse tema já estavam avançadas no Congresso Nacional, mas a razão principal de começar a reforma pelo setor de bens e serviços visa corrigir uma das maiores distorções existentes.”

Segundo Appy, o Brasil hoje tributa mais o consumo dos pobres do que o consumo dos ricos. Isso porque a população de menor renda adquire mais mercadorias, cuja carga de impostos é maior se comparada à de serviços – um setor que, por sua vez, é mais consumido por pessoas ricas. “A reforma tributária busca reduzir essa distorção. Ela não vai eliminá-la totalmente, pois o Congresso fez algumas alterações no projeto, mas será capaz de reduzir um pouco essa desigualdade”, disse.

Appy também lembrou que o texto favorece os estados menos desenvolvidos do Brasil, onde reside a população mais pobre, o que vai gerar melhor justiça social ao País. “Além disso, esperamos que a medida cause um crescimento na economia brasileira. O Ministério fala em R$ 400 bilhões a mais de receita para que os governos federal, estadual e municipal possam fazer políticas públicas”, estimou. “Caberá aos eleitores decidir quem é capaz de fazer boas ou más escolhas no uso do dinheiro arrecadado.”

Base da pirâmide – Benilda Brito entrou no debate ecoando parte da fala de Stiglitz, sobre a importância de dar voz às populações na base da pirâmide social, especialmente, as mulheres negras. “Já estamos nas ruas, Stiglitz.” Ela defendeu um regime tributário que apoie mulheres e seus empreendimentos e citou estudos que reforçam o impacto positivo dos negócios liderados por mulheres.

“É urgente uma reforma que mexa na régua da desigualdade. A cada 23 minutos, um negro é tombado no Brasil. A gente monitora e se mobiliza, mas é importante calcular o preço da desigualdade. Quanto custa um feminicídio? Talvez, olhando os números, a gente consiga sensibilizar o poder público pelo seu impacto na economia. Apostar na diversidade também é lucrativo, pois um país desigual desperdiça talentos”, pontuou Benilda.

Na segunda etapa do debate, Benilda enfatizou que espera mais do presidente Lula no processo de construção da reforma tributária. Criticou a tendência do País em aprovar uma reforma tímida, exemplificada pelo representante do Ministério da Fazenda, Rodrigo Octávio Orair. Ele reconheceu ter sido doloroso ver a aprovação de parte da reforma de modo híbrido, incapaz de garantir reivindicações históricas dos movimentos sociais.

A comparação do Brasil com os países do Sul Global foi um dos temas abordados pelo ex-ministro argentino Martín Guzmán. Ele lembrou que o processo de taxação dos mais ricos na Argentina foi implementado em três semanas no início de 2019. Também defendeu a importância de uma taxação progressiva para a recuperação dos estados. “No sistema de cobrança regressiva, os estados enfraquecem, favorecendo os mais ricos.”

Para Guzmán, o Brasil não deve temer o risco de migração de recursos do País após a taxação dos mais ricos. “Esse argumento é um lobby”, disse. “O principal desafio não é evitar a migração fiscal, mas a tributação nos paraísos fiscais”, aposta Guzmán. Joseph Stiglitz, por sua vez, acrescentou: “A Argentina provou que é possível impor à população uma alíquota mínima de imposto aos mais ricos”.

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